Fui à Espanha em 2015, com um grupo de amigos da Igreja São Vicente, em Porto Alegre, na zona Sul, que frequentei por uns 4 anos, enquanto morava nas vizinhanças. Fomos a Santiago de Compostela primeiro e de lá a Madri.
Os encantos de Santiago de Compostela são inesquecíveis. Fomos em meados de março, se não me engano, mas de certeza sei que já era primavera.
Já lá se vão 8 anos e ainda tenho bem presente na memória suas ruas de pedra, suas calçadas na maior parte estreitas, íngremes e com um ar provinciano, apesar de centro turístico.
Burburinho mesmo, só no topo, onde somos captados pelo frescor da altitude, com a brisa balançando franjas nas inúmeras barracas de venda de lembranças, cachecóis, objetos religiosos, cordões brilhantes de vidro em terços coloridos, vinhetas de santinhos coloridos e brilhosos, por onde andasse e parasse.
O clima arquitetônico de 2, 3 ou mais séculos de existência me carrega para um passado, que sempre me parece já ter vivido, quando o respiro. As ladeiras em sombras, as flores miúdas em janelas e grades de terraços, acima, em segundo piso, contrapondo seu frescor ás paredes desgastada e desbotadas, manchadas de muitas chuvas e pouco sol de invernos inacabáveis, quase me faziam esquecer que eu fazia parte de outro mundo, e não era sombra daqueles tempos.
Vez ou outra eu esbarrava com um morador. Tipo eu, na minha cidade, mas talvez também fitada tão estranhamente por um turista desavisado, quanto eu naquele momento. Um velho franzino, de cabelo rente, nariz meio comprido, queixo fino, me lembrava o perfil físico de um italiano. Uma mulher meia idade, surgia desgostosa de seu labirinto diário, saindo às pressas, de uma porta antiga, de duas folhas, que se fecham por si mesmas, de pintura desgastada, tanto quanto seu semblante. Eram ruas ditas “do centro”.
Entremeios de comércio, restaurantes, lojinhas, alguma moradia de alguém esquecido da cultura contemporânea, como se ali fosse um museu equecido, sem obras de arte. Na época eu estava na febre de fotografar, e tudo me parecia extasiante, e não queria perder nada, para que na minha volta eu pudesse saborear mais detalhadamente e com calma minhas andanças pelos arredores.
Muitas peles amorenadas, parecendo tostadas pelo sol, mas além disto, de um entranhado de hábitos que revelava logo a natureza originária desta tez. Porém estes não bati fotos, óbvio, não querendo invadir, e porque ficavam a maioria especificamente em suas tendas de venda. E Tudo isto, reforçado pelo colorido das vestes, e o esvoaçar dos muitos lenços, em muitas bancas, me fazia clara a percepção da cultura que meus olhos alcançaram, que me brindavam com muito mais do que apenas ‘pontos turísticos’.
Este vai e vem local era apinhado de gente de fora, ajuntando turistas e peregrinos. Grupos se ajuntavam de repente, rindo e falando alto, em meio à praça, para um momento de pausa para self, embriagados de gratidão e maravilhamento após um sonho realizado, em contraste com o ar do cotidiano um tanto sisudo dos moradores. Por vezes, tinha também um tanto de bizarrice este contraste, aos meus olhos. Mas nada que diminuísse o meu encantamento de respirar aquilo tudo, no lapso de um instante. Em muitas coisas me lembra bastante Lima e seus arredores, que falarei noutro post.
No dia em que fomos especificamente assistir a Missa famosa dos peregrinos, não tivemos o impacto do botafumeiro, situação excepcional, pois estávamos no devido tempo e horário. Um dos maiores símbolos da catedral é o botafumeiro, talvez o maior incensário do mundo, e funciona durante as principais solenidades, além de todas as sextas-feiras do ano (exceto na Sexta-feira Santa), durante a missa das 19h30, como uma homenagem da cidade de Santiago ao peregrino. (https://www.caminodesantiago.gal/pt/descubra/origens-e-evolucao/o-botafumeiro-e-a-missa-do-peregrino). Mesmo assim, em quase nada diminuiu meu êxtase, diante de tanta maravilha arquitetônica, artística, mística e histórica daquele templo.
Após o almoço no Hotel, eu saí para dar um giro no entorno do quarteirão. O que mais me lembra é o desemaranhar das tensões que carregamos, sem perceber, da rotina do trabalho e do sufoco do trânsito onde moramos. O silêncio era absoluto. Um sol mediano ajudava a amenizar o ventinho, e esta brisa era uma canção aos ouvidos.
O que mais eu gostava era do ineditismo de meu andar sozinha, num lugar estranho e me sentir em paz, sem medo, sem a bagagem do stress cotidiano e de certo amargor feito reclamações sobre nossos desafios na vida. Tinha uma certa dorzinha, como se me viesse à lembrança um paraíso de antes, perdido sem saber como e porquê. Uma saudade não sei de onde. Mas isto trazia leveza. Quando partimos no dia seguinte levei, junto à minha gratidão, um desejo férreo de voltar, desta feita, como peregrino.
Mais deleite destas paragens
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